O “Sotaque” do Saxofonista Teixeira de Manaus

Saxofonista amazonense

O saxofonista Teixeira de Manaus teve influência de diversos gêneros musicais, dentre os quais estão o forró tocado na década de 1970 e 1980, baião, xote, carimbó, chorinho, salsa, merengue, cúmbia dentre outros. Essa mistura de influências o levou a desenvolver no saxofone uma linguagem e "sotaque" bastante característicos, que o caracterizou como um saxofonista precursor de um estilo batizado por "Beiradão".

Teixeira gravou vários discos instrumentais solo, e neles registrou uma linguagem inovadora no saxofone alto. Suas técnicas de dedilhados, embocadura e afinação, por exemplo, eram muito apuradas. Mas, ao ouvir seus solos, logo se percebe uma aguçada e inovadora técnica em suas articulações, até então pouco comum no vocabulário de saxofonistas da região Norte. Em muitos solos ele intercalava e por vezes mesclava articulações com a língua, diafragma e glote. No entanto não era uma mistura comum, mas muito rebuscada e límpida.

O Fole da Sanfona

Imagine por um momento uma frase melódica sendo tocada por um sanfoneiro. Imaginou? - Então, você deve ter visualizado em sua mente o sanfoneiro dedilhando o teclado do instrumento e, dentro de certo espaço de tempo ele também expandia e comprimia o fole da sanfona.

O fole da sanfona funciona como os pulmões de um instrumentista de sopro. Ambos armazenam ou expelem bolsas de ar, também conhecidas como colunas de ar, e estas por sua vez, geram a vibração de algum corpo que produz sons. Compare agora a produção sonora na sanfona com a produção sonora no saxofone. Há algumas semelhanças e algumas diferenças:

  • No caso da sanfona, quando o fole é comprimido ou expandido a corrente de ar produzida gera a vibração de palhetas metálicas;
  • No saxofone o som melódico só pode ser produzido com o sopro do instrumentista, o qual gera a vibração de uma palheta de bambu ou sintética.

Desse modo, percebe-se que a única similaridade que existe quando se compara a produção de vibrações nas palhetas de ambos os instrumentos citados está no sopro.

O "sax/sanfona" de Teixeira de Manaus

Como citado no início deste texto, Teixeira recebeu diversas influências estilísticas, e dentre os estilos musicais que o influenciaram estão o forró e o baião nordestino.

Na época em que Teixeira de Manaus estava em plena atividade profissional, nesse caso entre 1980 e 2000, o forró estava em muita evidência no cenário musical das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Já o baião havia sido consagrado como um dos mais representativos estilos musicais nacionais, por músicos como o "rei" Luiz Gonzaga e o mestre Dominguinhos. Esses dois foram, além de grandes cantores e compositores, exímios sanfoneiros, que influenciaram gerações de instrumentistas. Provavelmente Teixeira de Manaus também foi influenciado por esses músicos e por outros acordeonistas (sanfoneiros).

Por boa ventura Teixeira de Manaus registrou em muitos de seus discos trechos compostos premeditadamente ou instantaneamente, que revelam ao ouvinte crítico algumas técnicas de articulação inovadoras. Vamos a dois exemplos:


  1. O trecho melódico acima foi extraído da faixa "Na Ginga da Salsa", contida no disco com mesmo nome, gravado por Teixeira de Manaus no ano de 1988. No trecho grifado em amarelo se observa o uso de tenutos, sforzandos e de notas pedais. As articulações não soam somente como golpes de língua simples, mas sim como a mistura entre inflexões com bolsas de ar impulsionadas pelo diafragma combinadas a golpes de língua em tenuto e sforzando. Já as notas pedais Dó #, Dó e Lá do trecho em questão funcionam como "notas pedal", que caracterizam de certa forma um balanço e um gingado muito utilizado por sanfoneiros do Nordeste do país.

    Traduzir em palavras esse tipo de fenômeno sonoro não é uma tarefa simples. Então, para melhor entendimento, lhe indico que ouça o trecho descrito no parágrafo acima, clicando nesse link: Na Ginga da Salsa Lick 1

  2. O trecho acima foi extraído da faixa "Gostosinho", do lado A do disco Solista de Sax de Teixeira de Manaus, gravado em 1983. O grifo contém figuras de semicolcheia e colcheias para breve repouso. Nos dois últimos grupos de semicolcheia do primeiro compasso são observados intervalos em uníssono e intervalos dispostos por graus conjuntos. Nestes, constata-se que há também articulações bastante usuais em arranjos de sanfoneiros do Nordeste. O mesmo processo se aplica aos próximos grupos de semicolcheia contidos no grifo em amarelo. Ouça aqui: Gostosinho Lick 2
  • Uma observação:

Quando se lê uma partitura escrita nessa configuração pode parecer demasiadamente simples interpretá-la, - isso para um músico com experiência prática em diversos estilos. Mas a escrita não revela todos os segredos da sonoridade orgânica de um músico e nem expõe os elementos que fazem parte da cultura local do artista que interpretou o que foi transcrito graficamente. Ela tem na verdade a função de guiar outro músico a como reproduzir a ideia original, facilitando assim a execução da essência melódica por parte de terceiros. Então, que fique claro a você, leitor, que os dois trechos observados acima podem parecer simples de interpretar, mas às vezes a as aparências enganam. Entenda melhor essa observação lendo os parágrafos adiante.

Sobre o "Sotaque Musical"

Geralmente, o termo sotaque é utilizado para explicar características linguísticas que identificam grupos sociais de determinadas localidades ou regiões. Na música, ao invés de indicar características da oralidade de um povo, o termo sotaque musical tende a indicar características de interpretação e linguagem musical de determinados grupos sociais. Neste texto a terminologia "sotaque musical" é utilizada apenas para ilustrar características que identificam ou ajudam a identificar elementos musicais da cultura regional do Norte do Brasil.

O Sotaque Musical de Teixeira de Manaus

O saxofone, apesar de ser um instrumento relativamente novo, se comparado a outras patentes de instrumentos de sopro amplamente utilizados ainda hoje, tem sido um instrumento musical muito explorado tecnicamente. Desde sua criação até a atualidade, muitas técnicas foram descobertas e difundidas por meio de diversas mídias (impressas ou não), ou mesmo através da oralidade e do folclore. Transfiramos então essa questão à técnica do saxofonista Teixeira de Manaus, um homem nascido na Costa do Catalão, cidade próxima a Manaus, Amazonas.

Em relação à música, Teixeira de Manaus é para o Brasil como Tavito Vasquez foi para a República Dominicana, ou mesmo como Paquito D'Rivera é para Cuba. Os dois músicos mencionados anteriormente fundaram em seus respectivos países novas formas de enxergar seus estilos regionais e novas maneiras de interpretar os mesmos. No caso de Tavito Vasquez, este trouxe muito da influência do be bop "Parkeano" para o merengue dominicano. De igual modo, Paquito D'Rivera também foi muito influenciado por músicos de jazz. Em certo nível, os dois se apropriaram de elementos técnicos oriundos de outras vertentes musicais, apresentado, por sua vez, novas roupagens aos estilos musicais que interpretavam em seus países. Mais exemplos não faltam, mas digamos que Tavito Vasquez e Paquito D'Rivera levaram alguns teóricos do saxofone a criar novas escolas (nesse caso, novas linhas de pesquisa) para coletar, armazenar e distribuir dados técnicos incorporados de forma muito sapiente e inteligível aos estilos merengue dominicano e Salsa cubana.

Teixeira de Manaus foi realmente icônico como saxofonista, fundador do estilo intitulado por ele como Beiradão (beira de rio), fazendo alusão direta às comunidades ribeirinhas onde se apresentava mais constantemente, principalmente nas décadas de 1980 e 1990. Nessas comunidades era recebido com fervor e pompa pelos ribeirinhos, e levava aos seus espectadores muito do que aprendera como músico e experimentador. É dito que Teixeira experimentou tocar vários instrumentos musicais, das cordas aos sopros, e que ouvia programas de rádio na juventude e tentava transferir muito do que ouvia para os instrumentos que tocava. Na sua época era muito natural e corriqueiro os músicos ouvirem músicas através de rádios e transcrever "de ouvido" o que escutavam. Esse tipo de atitude despertou em Teixeira um senso de percepção musical apurado, e isso certamente o ajudou na hora de compor e interpretar o que tocava.

Além do que foi dito no parágrafo anterior, é verídico que Teixeira de Manaus também teve a boa sorte de ter conhecido o cantor e compositor paraense Pinduca. Tido como o "rei" do Carimbó estilizado, Pinduca assumiu um importante papel na promoção e divulgação de músicos da Amazônia, principalmente saxofonistas. Dois dos mais reconhecidos saxofonistas da Amazônia receberam ajuda de Pinduca para deslanchar em suas carreiras: os paraenses Manezinho do Sax e Pantoja do Pará. Ambos tocaram com Pinduca em sua banda e gravaram vários discos instrumentais solo. Voltemos então ao foco deste texto, o saxofonista Teixeira de Manaus.

A partir do encontro com Pinduca, Teixeira de Manaus deu início a sua jornada de músico solista, gravando assim vários discos (a maioria intitulada inclusive como "Solista de Sax") que o consagraram como o saxofonista mais aclamado da região Norte do Brasil. Como dito no início do texto, muitas das ideias melódicas de Teixeira estão registradas em seus discos, muito de sua técnica foi impressa neles e parte de sua personalidade também! E é justamente essa personalidade, humana e musical, de um caboclo nascido no interior do Amazonas, que viveu rodeado pela floresta e que percorreu os ribeiros da Amazônia, personalidade essa que foi registrada com muito carinho pela Copacabana Discos, pelo Estúdio R.J Produções e por tantas outras gravadoras, que conquistou uma legião de ouvintes e apreciadores de seu trabalho, tornando-o assim um verdadeiro mestre no quesito "sotaque musical do Norte".